quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

INTRODUÇÃO À METODOLOGIA CIENTÍFICA

CAPITULO I do Livro Sistemismo Ecológico Cibernético


A Metodologia Científica constitui uma disciplina instrumental, um roteiro para a concretização da pesquisa.
Na Grécia antiga methodos significava “caminho para chegar a um fim”.
Portanto, etimologicamente, método quer dizer caminho, direção, rota, orientação para se atingir determinado propósito, alvo, fim, objetivo ou meta. Representa um conjunto de meios ou instrumentos dispostos adequadamente para se atingir um objetivo.
Como ponto de partida, vejamos que o “termo Método tem dois significados fundamentais: 1o. Qualquer pesquisa ou orientação de pesquisa; 2o. Uma técnica particular de pesquisa. No primeiro caso, não se distingue de “investigação” ou “doutrina”. O segundo significado é mais restrito e indica um procedimento de investigação organizado, repetível e auto corrigível, que garanta a obtenção de resultados válidos. Ao primeiro significado referem-se expressões como “Método hegeliano”, “Método dialético”, etc., ou mesmo “Método geométrico”, “Método experimental”, etc. Ao segundo referem-se expressões como “Método silogístico”, “Método residual e, em geral os que designam procedimentos específicos de investigação e verificação.1”
A palavra método pode designar quatro coisas distintas: 1a. lógica ou parte da lógica que estuda os métodos; 2a. lógica transcendental; 3a. o conjunto de procedimentos metodológicos de uma ou de várias ciências e, 4a. a análise filosófica desses procedimentos.
O termo metodologia indica, freqüentemente, um conjunto de procedimentos técnicos de averiguação, verificação ou pesquisa, disponível para uma disciplina específica ou, para grupos de disciplinas.
O método científico representa a maneira como o cientista opera no sentido de elucidar, explicar ou controlar a realidade.
A natureza, bem como a própria realidade inteira - conjunto de seres, coisas, eventos e processos - responde tudo que o pesquisador desejar saber, mas para isso, é necessário que ele saiba interrogá-la e, a melhor receita para atingir tal propósito é a adequada utilização do método científico.
O método científico é de aplicação geral, podendo ser comum a várias ciências, ou melhor, comum a todos os setores do conhecimento científico. O que varia, o que diverge é o objeto de estudo de cada ramo da ciência, exigindo-se adaptações e técnicas específicas.
Entretanto, cada ciência tem seu objeto, seu corpo de conhecimentos, sua teoria, seu discurso característico, seus critérios de verdade e. quase mesmo, um método próprio.
Assim, o método epidemiológico é, na realidade, o método científico, adaptado e aplicado ao estudo da história natural das doenças, isto é, a investigação a respeito do local em que uma moléstia incide, quando acontece, porque ocorre e como evolui, qual a sua natureza, porque atuam e como atuam os agentes patogênicos e os elementos capazes de funcionar como veículos de transmissão e, como se comportam os hospedeiros, envolvendo ainda, todas as relações ecológicas existentes entre agentes patogênicos, transmissores e hospedeiros, ou seja, as interações existentes entre eles no ambiente do qual compartilham.
Método “é o procedimento ou conjunto de procedimentos que servem como instrumento para satisfazer as necessidades da investigação”.
Para Piovesan.2, método é o conjunto de regras da pesquisa científica.
Método é um roteiro sistematizado para orientar o pensamento, investigar a realidade, atuar sobre a mesma ou comunicar o resultado de tais atividades.
“Método é um conjunto de etapas, ordenadamente dispostas, a serem vencidas na investigação da verdade, no estudo de uma ciência ou para alcançar um determinado fim. 3”
Destarte, é também, o conjunto de ações sistematizadas objetivando a produção, a utilização ou a comunicação do conhecimento científico.
Representa, pois, a sistematização em qualquer setor das atividades humanas. Alicerça-se na pesquisa, ou seja, na coleta sistematizada de dados, seguida de sua análise e interpretação.
“Reserva-se a palavra método para significar o traçado das etapas fundamentais da pesquisa, enquanto a palavra técnica significa os diversos procedimentos ou a utilização de diversos recursos peculiares a cada objeto da pesquisa, dentro das diversas etapas do método. Diríamos que a técnica é a instrumentação específica da ação, e que o método é mais geral, mais amplo, menos específico. Por isso, dentro das linhas gerais e estáveis do método, as técnicas variam muito e se alteram e progridem de acordo com o progresso tecnológico.4”
A técnica é, pois, meio auxiliar do método. Consiste em aplicações específicas e, portanto, mais restritas.
O método científico empírico, experimental, foi proposto inicialmente por Francis Bacon5, através da obra designada “Da Proficiência do Saber, Divino e Humano” (1605), depois desenvolvido no Novum Organum, do mesmo autor (l620), em contraposição ao método escolástico, então prevalente, herdado da idade média, quando a igreja católica, através da obra de São Tomás de Aquino (1225-1274), adotara oficialmente o método aristotélico, dominando o ensino e o estudo da natureza, com base em conceitos teológicos sobre Deus e o universo.
Ele atacara o escolasticismo que considerava estéril, propunha o raciocínio indutivo - um sistema que, a partir de fatos específicos observáveis - podem se efetuar amplas generalizações, verificando-as, a cada passo, para detectar possíveis exceções e rejeitar ou rever tais generalizações, com base nessas exceções.
Foi o advento e progresso do método científico que permitiu o avanço da ciência e da tecnologia.
Bacon afirmara, categoricamente, que o método correto de pesquisa científica, isto é, o método indutivo, poderia dar ao homem o domínio da natureza.
“Tentando renovar e reorganizar as ciências, Bacon6 procurou um sistema de metodologia científica inteiramente novo; a necessidade da prova na determinação dos fenômenos fundamentais da natureza era seu pré-requisito filosófico. Seria possível estruturar a base de uma nova filosofia não fundada em Aristóteles ou qualquer outra autoridade da Antigüidade, pelo acúmulo suficiente de observações e fatos.”
O método cientifico indutivo foi desenvolvido, mais tarde, por Galileu7 (1632), o qual aderiu à teoria heliocêntrica de Copérnico.8 O notável físico suíço Friederich Dessauer, comentou a respeito de sua imensa importância e influência na história da ciência: “De todas as conquistas de Galileu, sua maior dádiva a posteridade foi o método indutivo, centro de todas as ciências exatas; aperfeiçoado ainda, nos anos que lhe seguiram, provou constituir-se na chave do ser, abrindo sempre novas estradas, de profundidade cada vez maior. E foi através do método indutivo que o nosso conhecimento do mundo cresceu e se tornou um milhão de vezes maior que o dos antigos.”
Para Galileu, o método experimental se constituiria de dois momentos - a indução e a dedução, que viriam a se transformar, na realidade, em dois métodos, gerando duas correntes antagônicas do pensamento - o empirismo inglês, dos quais são expoentes, Hobbes, Locke, Berkeley e Hume e o racionalismo de Descartes, Melebranche, Espinoza e Leibniz.
“Coube ao gênio de René Descartes10 (1637), balizar o roteiro para a investigação dos problemas científicos, através do Discurso sobre o Método”.
Antes e acima de tudo, Descartes foi um matemático, um dos pensadores mais originais do mundo, em seu campo. Criou a geometria analítica, unindo a geometria à álgebra.
Em sua época, a matemática era o principal instrumento para descobrir fatos da natureza.
O método de Descartes é, portanto, matemático e analítico.
O racionalismo cartesiano é sintetizado pela frase “penso, logo existo” e postula que a verdadeira essência do ser humano consiste na razão. A filosofia e o método de Descartes são, pois, racionalistas.
O método de Descartes ou método cartesiano, além de matemático e analítico é, pois, racional.
O termo cartesiano correspondente ao nome de Descartes em latim - Renatus Cartesius.
Descartes concluíra que o método matemático era o instrumento ideal para ser aplicado em todas as esferas do saber e que daria resultados de igual precisão e confiança em metafísica, lógica e ética. Para Descartes tudo aquilo que não se podia traduzir em termos matemáticos era irreal.
Em contraposição ao raciocínio indutivo (que vai do particular ao geral), proposto por Bacon e aperfeiçoado por Galileu, Descartes postulava o primado do método dedutivo (que do geral chega ao particular), o qual permitiria as descobertas através do encadeamento lógico de hipóteses formuladas a partir da atividade primordial da razão.
Como Galileu e Newton11, Descartes via o universo como uma máquina gigantesca, semelhante a um mecanismo de relógio, na qual tudo era previsível e mensurável.
. O método cartesiano, além de matemático, analítico, racionalista e dedutivo é, também, mecanicista.
De acordo com estas premissas, o Universo inteiro poderia ser explicado pelas leis da matemática e da mecânica.
O Discurso sobre o Método, de René Descartes, foi considerado por Butterfield12, autor de “As Origens da Ciência Moderna” como um dos livros realmente importantes da nossa historia intelectual, julgamento corroborado por quase quatro séculos de influência universal e afirma que “a concepção cartesiana de uma ciência universal, única, tão unificada, tão ordenada, tão interligada, talvez tenha sido uma das suas mais notáveis contribuições à revolução científica”.
O positivismo, derivado do “cientificismo racionalista”, baseado na concepção do poder absoluto da razão em conhecer realidade e traduzi-la mediante leis naturais, foi criado pelo pensador francês, Augusto Comte13, reforçando a crença no modelo matemático, físico e mecânico.
Comte pretendeu conhecer e explicar a natureza por meio da observação e da experimentação, procurando as leis que a regem, não se buscando, entretanto, leis gerais além do que fosse permitido pela experimentação e pela dedução ou pelo raciocínio matemático, enquanto tudo que ficasse para além deste domínio seria metafísico e não teria valor.
O positivismo foi também designado organicismo, em virtude de conceber a sociedade como um organismo, constituído de partes integradas e coesas, funcionando harmonicamente, consoante o modelo físico-mecânico, introduzindo, também, a idéia de que uma sociedade é algo mais do que o simples somatório dos indivíduos, em contraste com o reducionismo das idéias, então, vigentes.
Augusto Comte, malgrado a característica reducionista do positivismo, pretendeu alçá-lo em nível de universalidade, perseguindo o ideal de Descartes de unificação da ciência e, buscando construir uma pretensa religião da humanidade.
Entre os filósofos iluministas já se encontravam adeptos da idéia de que toda a matéria, incluindo os processos vitais que, consistindo em movimento dessa matéria, obedeciam às leis naturais e que esses princípios deveriam, também, nortear o conhecimento racional da sociedade, buscando-se as leis naturais da organização social.
Não obstante a filosofia da Ilustração já encerrasse potencial passível de conduzir à descoberta das bases materiais das relações sociais, formulando-se a concepção reducionista de uma sociedade representada pelo somatório de individualidades ou “átomos sociais”, o que consistiu no máximo que seus filósofos puderam atingir e, para o quais o comportamento social seria resultado da estrita manifestação da vontade das consciências individuais.
Embora o positivismo reconhecesse que os princípios reguladores do mundo físico e do mundo social diferiam em sua essência, estendeu este raciocínio até mesmo para o estudo da sociedade, cujo conhecimento designou como “física social”, antes que o próprio Comte cunhasse o termo Sociologia, constituindo-se na primeira corrente do pensamento sociológico e atraindo os primeiros cientistas sociais para o seu método de investigação.
Outras correntes do pensamento sociológico enriqueceram o método científico, possibilitando a adoção de metodologias mais específicas para o estudo da sociedade. Entre estas se destacam o estruturalismo, o funcionalismo, a dialética, a fenomenologia, o sistemismo, além de metodologias alternativas, tais como a pesquisa-ação, a pesquisa participativa e a hermenêutica.
O sistemismo será abordado com mais detalhes no Capítulo II - Enfoque Sistêmico e, no Capítulo X - Sistemismo Ecológico Cibernético, quando serão feitas considerações sobre o parentesco entre o Sistemismo e o Estruturalismo.
Com referência à Dialética, pode-se distinguir quatro significados fundamentais: a) - como método da divisão, b) - como lógica do provável, c) - como lógica e, d) - como síntese dos opostos e, desta última, trataremos, a seguir:
O racionalismo hegeliano postula que a razão ou lógica pura, não só concebe as coisas como lhe dá origem, provocando a ação, não existindo uma linha divisória entre o conhecimento filosófico e sua aplicação para explicação do fato científico e, a vida muda constantemente como resultado de uma luta dialética de idéias opostas, nas quais os contrários resultam numa síntese, somente para engendrar suas próprias contradições.
Embora sem expressar a evolução histórica do termo, a Dialética corresponde ao “processo em que há um adversário a ser combatido ou uma tese a ser refutada e que supõe, portanto, dois protagonistas ou duas teses em conflito, ou então, que é um processo resultante do conflito ou da oposição de dois princípios, dois momentos ou duas atividades quaisquer”.
Para Hegel, a realidade inteira move-se dialeticamente. .Assim, a filosofia hegeliana vê em toda parte tríades de teses, antíteses e sínteses, nas quais a antítese corresponde à negação, ao oposto, ao outro da tese, enquanto a síntese constitui a unidade e, ao mesmo tempo, a certificação de ambas.
Hegel14, ao conceber a realidade, entende haver no mundo uma idéia absoluta capaz de tomar consciência de si mesma. Inicialmente, sob a forma de espírito subjetivo ou individual, depois, mediante a forma de espírito objetivo ou coletivo (na família, no estado). A partir daí, eleva-se para o absoluto. Destarte, os espíritos se dirigem, gradativamente, para a unidade do Espírito ou da idéia absoluta, a qual se dispersa a fim de tomar consciência de si. A realidade verdadeira seria a realidade do pensamento. Para Hegel, “tudo o que é real é racional; o que é racional é real”. O mundo, como as coisas e o eu não seriam nada mais que a exteriorização do Espírito. Nesta realidade há um constante devir que se processa na afirmação, na negação e na negação da negação (tese, antítese e síntese).
É nesta visão que deve ser entendida a Fenomenologia do Espírito, de Hegel: “o auto-reconhecimento do Absoluto como espírito dá lugar a uma série de figuras lógicas e históricas que são os graus que o Espírito deve percorrer para alcançar o reconhecimento e a posse de si mesmo. A tarefa primeira da Filosofia é, por isso, a de voltar àquela série de figuras da história ideal do Espírito; por isso a primeira parte do sistema científico da Filosofia deve ser uma Fenomenologia do Espírito, ou seja, percorrer todas as figuras e cada grau já percorrido pelo Espírito na sua história ideal e na sua cronologia. No processo, cada momento do espírito é superado por um momento mais elevado e mais completo. Isso, porém, não quer dizer que a figura em que o Espírito se apresentava no seu grau inferior fosse falsa, apenas não era adequada. 15”
Na seção de autoconsciência da Fenomenologia do Espírito, Hegel16 inicia a estudar figuras tipicamente históricas, tais como as clássicas passagens dedicadas ao antagonismo patrão escravo (dialética patrão-escravo), demonstrando a recíproca compenetração das categorias de autonomia e dependência. Para Hegel, o escravo depende do patrão tanto quanto este depende do escravo, uma vez que necessita dele. Através da luta entre autonomia e dependência (luta dos contrários), atinge-se como resultado concreto o desenvolvimento do Espírito, isto é, o nascer do sentimento de liberdade.
“Para Hegel17, o processo dialético da realidade, que nós chamamos objetiva, não é mais do que uma manifestação exteriorizada do mundo. Para Marx18, pelo contrário, o mundo material existe independentemente de todo o espírito e é na matéria, enquanto tal que se produzem as teses e antíteses que levam as sínteses provisórias, que por sua vez, marcam as fases da evolução cósmica. A dialética do pensamento é um reflexo da dialética das coisas. Também em Hegel encontravam-se afirmações análogas, mas na filosofia de Hegel as próprias coisas eram apenas o reflexo do pensamento.”
Hegel preconiza o primado da consciência sobre a matéria, enquanto Marx e Engels postulam o contrário - o primado da matéria sobre a consciência.
A inversão da dialética hegeliana é, desta maneira, expressa por Marx e Engels19: “o sistema hegeliano estava de cabeça para baixo; nós o pusemos de pé”.
Na visão marxista da realidade, os processos dialéticos que caracterizam essencialmente a matéria, somente são observáveis no pensamento como reflexo do mundo material. Teríamos, assim, uma estrutura da realidade, com suas leis e, uma superestrutura determinada pela primeira.
As relações econômicas, segundo Marx, têm supremacia sobre todas as outras, tornando-se determinação estrutural e, por sua vez, estas estruturas determinarão as relações políticas.
As relações econômicas que se efetuam entre um sistema social e outro, podem ser sintetizadas como intercâmbios de matéria, energia e informações.
“A Economia, que engloba os esforços do homem no sentido de se apropriar da matéria e explorá-la, constitui a estrutura essencial das relações humanas, e as ideologias não passam de uma superestrutura. Ou seja, as relações humanas que se estabelecem na Economia, quer dizer, no esforço do homem para se apropriar da matéria, constituem a estrutura determinante da vida da humanidade. O trabalho, como matéria prima se transforma em produto e este em mercadoria, objeto de troca por dinheiro, e este por sua vez, em capital. Então, o trabalho humano, o próprio homem torna-se coisificado, e a mercadoria um fetiche. A mercadoria fetichizada aprisiona o trabalho humano e, de uma certa forma, o valor do homem. A mercadoria, no seu valor de troca, aparece como a mesma realidade humana e a torna coisa. Mas o valor de troca é só um aspecto que encobre as coisas e não nos dá a realidade. É preciso que a realidade se revele, se torne fenômeno. 20”
A lógica dialética marxista ao penetrar na consciência do homem constitui método para reinterpretar e transformar o real.
“A lógica dialética nasce pelo fato de que se considera a realidade intimamente contraditória, isto é, uma unidade de ser e não ser juntos (tendo como própria a tese de Hegel, de que “todas as coisas têm a contradição em si mesmas”. Conseqüentemente, considera-se, que sendo a realidade assim feita, somente a dialética, a lógica da contradição, é adequada para entendê-la (enquanto a lógica não contraditória, justamente enquanto exclui a contradição, daria uma imagem falsa da realidade). A natureza é dialética, a sociedade também é dialética; por isso, elas não podem ser conhecidas a não ser através de uma análise dialética.21”
O materialismo marxista, referindo-se ao aspecto racional da realidade, afirmava que o sistema de idéias, então vigentes, não era racional, mas deveria se transformar em um sistema racional.
Luigino Valentini22 expressa: Reconhecemos o valor que cada lógica tem na investigação de aspectos particulares da realidade, porém, a reflexão sobre o vivido não pode ser confiada à racionalidade da lógica positiva das ciências, porque esta objetiva a realidade humana e a reduz a sua totalidade. A lógica pragmatista e a dialética, por si só são inadequadas a colher aspectos do vivido que fogem à sua ótica enquanto elas absolutizam o homem em sua finitude. Não é completamente adequada a lógica conjetural a fazer este tipo de investigação, enquanto, mesmo que seja capacitada a colher parte do real, ela atomiza a realidade humana. As intuições da visão do mundo da teoria da relatividade que valoriza a participação subjetiva do homem no conhecimento científico da realidade em sua globalidade nos encorajam a adotar como método de nosso estudo, a lógica transcendental. Ela procura a subjetividade em suas múltiplas relações, procura o transcendente a partir da condição humana da finitude, isto é, do aqui e agora do homem concreto na busca da realidade pelo compromisso e na necessidade da crença.”
O mesmo autor refere que a “lógica” pela qual se norteia para a leitura do real, assumindo o mesmo ponto de vista de Edmund Husserl23, é a Lógica Transcendental, o qual, ao elucidar a lógica de Platão, considera-a como “o lugar de indagação sobre as exigências essenciais de o verdadeiro saber e da verdadeira ciência”, o que corresponde à possibilidade que o homem tem de abarcar a realidade em toda a sua amplitude. Logo, a lógica seria alcançar um ponto de vista através do qual seria possível atingir o verdadeiro saber e a verdadeira ciência.
Pedro Demo24 considera “a dialética a metodologia mais conveniente para a realidade social, a ponto de a tomarmos como postura metodológica específica para essa realidade no sentido em que não se aplica à realidade natural porque esta é destituída de fenômeno histórico subjetivo... Dizíamos que entre as realidades natural e social há diferença suficiente não estanque. Entretanto, para além das condições objetivas, a realidade social é movida igualmente por condições subjetivas, que não são nem maiores nem menores... Na prática vamos encontrar não só dialéticas diferentes, divergentes, mas até mesmo contraditórias, como em qualquer campo metodológico”.
Este autor argumenta a favor da dialética histórico-estrutural que lhe parece a mais consentânea com a realidade histórica, porque equilibraria a contento o jogo das condições objetivas e subjetivas.
Edmund Husser25, autor de “Lógica Formal e Transcendental”, assim se expressa: “Se Lotze, num ditado que se tornou célebre, declarou que a tarefa mais alta do conhecimento não era medir o curso do mundo, mas compreendê-lo, nós, por nossa vez, devemos nos apropriar deste ditado, mutatis mutandis também para a Lógica, para o reino das formações lógicas, isto é, no sentido de que não podemos ficar satisfeitos com que a Lógica, nos moldes das ciências positivas, confira às teorias objetivas de uma forma metódica e reconduza as formas de uma possível autêntica teoria aos princípios e normas. Nós devemos sair do esquecimento de nós mesmos, característica própria das pessoas teóricas que, jogando-se na operação teórica às coisas, às teorias e métodos, não sabem nada sobre a interioridade de seu operar, isto é, do teórico que vive naquelas coisas teóricas e métodos, mas não tem o seu olhar tematicamente esta mesma vida operante. Somente através de uma clarificação de princípios que desça a profundeza da interioridade, onde atuam o conhecer e a teoria, tornar-se-á compreensível aquilo que é realizado como teoria e como ciência autêntica. Somente de tal forma se faz compreensível o verdadeiro sentido daquele ser que a ciência nas suas teorias tinha intenção de elaborar como verdadeiro ser, verdadeira natureza, verdadeiro mundo espiritual.”
Teceremos, agora, considerações sobre alguns aspectos de uma outra corrente filosófica e metodológica, a Fenomenologia.
Etimologicamente, Fenomenologia é o estudo ou ciência do fenômeno, considerado como tal tudo que aparece.
Foi instaurada por Husserl (1859-1938), na segunda metade do século passado, a partir das análises de Bretano sobre a intencionalidade da consciência, buscando a descrição, a compreensão e a interpretação de fenômenos que se apresentam à percepção. Objetiva modificar a relação do homem com o mundo (o ser no mundo) e melhor extrair seu sentido, constituindo-se numa abordagem que procura valorizar os aspectos subjetivos, além da característica de compreensão das ciências humanas, particularmente no que concerne ao fenômeno humano.
O método fenomenológico surge, em contraposição à objetividade e a matematização do conhecimento, características atinentes ao cientificismo, ao positivismo.
A Fenomenologia representa uma corrente filosófica que corresponde a uma terceira via entre o discurso especulativo da Metafísica e o raciocínio das ciências positivas, ou seja, aquela que, antes de todo raciocínio, nos colocaria no mesmo plano da realidade, isto é, representaria uma volta às “coisas mesmas” ou àquilo que é dado, que aparece na consciência.
A Fenomenologia seria a ciência capaz de preencher o espaço vazio deixado pela filosofia especulativa e pelo próprio positivismo, para o qual o conhecimento objetivo estaria imune às construções subjetivas da metafísica.
“No fundo, a fenomenologia nasceu no momento em que, colocando entre parênteses - provisória ou definitivamente - a questão do ser, trata-se como um problema autônomo à maneira de aparecer das coisas. Há fenomenologia rigorosa no momento em que essa dissociação é refletida por ela mesma qualquer que seja seu destino definitivo; ...26”. “Isto significa que a perspectiva filosófica é um fator essencial à constituição de uma fenomenologia que se quer rigorosa. 27”
Consoante postula esta corrente do pensamento filosófico, o fenômeno é percebido pela consciência cognoscente, diretamente, sem intermediário, o que quer dizer, pela intuição.
A intuição ocorre, pois, quando o objeto do conhecimento pode se nos apresentar de modo imediato, sem intermediário. Origina do latim “Intuere”, e significa ver.
Intuição é uma modalidade de conhecimento que pela sua característica de atingir o objeto sem “meio” ou sem o intermédio das comparações, assemelhando-se ao fenômeno da visão.
A Fenomenologia é uma ciência das essências ou “ciência eidética” e postula ser possível alcançar uma compreensão à priori do ser, isto é, independentemente da experiência efetiva.
“... o discurso filosófico deve sempre permanecer em contato com a intuição se não quiser se dissolver em especulações vazias. Esse retorno incessante à intuição originária”, fonte de direito para o conhecimento”, Husserl o chama de princípio dos princípios: Significações que não fossem vivificadas senão por intuições longínquas e imprecisas, inautênticas - se é que isso acontece através de intuições quaisquer - não poderiam nos satisfazer. Nós queremos voltar às coisas mesmas.28”.
Husserl coloca como exigência fundamental que o teórico saia do “esquecimento de si”, o que significa que, no exercício da Lógica, ele deverá recuperar sua subjetividade, estando presente em seu ato, na condição de sujeito, uma vez que não ocorreria um verdadeiro conhecimento não acontecendo um simultâneo conhecimento de si. Ao mesmo tempo em que a coisa está “diante dos olhos”, a “a mão”, o sujeito também “está aí”, percebendo-se presente.
O papel fundamental da fenomenologia seria, sobretudo elucidar o “puro reino das essências”, correspondendo, em sua origem, a uma filosofia das essências, que podem ser extraídas pela colocação, entre parênteses, de todo dado de fato, quer dizer, de toda posição de existência.
Através da redução fenomenológica, o sujeito sai da atitude ingênua e primária com referência a si próprio e às coisas, constituindo o sentido intrínseco e original da realidade, a qual se dá pela relação essencial com a subjetividade, expressando o seu comprometimento com o mundo, o qual passa a conhecer na totalidade de suas relações.
Para Merleau-Ponty29, “Voltar às coisas mesmas é voltar a esse mundo antes do conhecimento, do qual o conhecimento fala sempre e com relação ao qual toda determinação científica é abstrata, signitiva e dependente, como a geografia com relação à paisagem onde aprendemos pela primeira vez o que é uma floresta, uma campina ou um rio”.
André Dartigues30 diz: Pode parecer surpreendente que o que se chamou na França “existencialismo” se ligue à fenomenologia, já que esta era na origem uma filosofia das essências que se extraiam pela colocação entre parênteses de todo dado de fato, logo, de toda posição de existência. Mas observamos também que esse ponto de partida, que poderia ter conduzido Husserl a uma forma de logicismo ou de platonismo, foi bastante rapidamente corrigido pelo cuidado escrupuloso de “voltar às coisas mesmas”, logo de ligar essas essências à atividade da consciência sem a qual não poderiam ter sido concebidas. A redução fenomenológica havia posto em evidência a intencionalidade da consciência para a qual todo objeto do mundo, real ou ideal, remetia à camada primitiva da vivência. Assim, as essências, longe de construírem um mundo separado, não eram senão a explicitação no “campo da idealidade” desse fato bruto e primordial que é o ser no mundo: ”Longe de ser, como se acreditou, escreve Merleau-Ponty31, a forma de uma filosofia idealista, a redução fenomenológica é a fórmula de uma filosofia existencial; o “In-der-Welt-Sein” de Heidegger só aparece sob o fundo da redução fenomenológica”.
Em razão da complexidade de seu objeto, as ciências humanas estariam a necessitar urgentemente de uma renovação de métodos, mas enquanto adequada à reflexão sobre as atividades e o conhecimento humanos, a fenomenologia concerne à ciência em seu conjunto, de vez que tudo que existe ou acontece é fenômeno, tornando o domínio da fenomenologia praticamente ilimitado, motivo pelo qual não seria possível confiná-la em uma ciência específica.
“A fenomenologia se apresentou desde o seu início como uma tentativa para resolver um problema que não é o de uma seita: ele se colocava desde 1900 a todo o mundo, ele se coloca ainda hoje. O esforço filosófico de Husserl é, com efeito, destinado em seu espírito a resolver simultaneamente uma crise da filosofia, uma crise das ciências do homem e uma crise das ciências pura e simplesmente da qual ainda não saímos. 32”
“Se a fenomenologia foi em seu início antimetafísica, ao abandonar as especulações e as construções filosóficas pela descrição neutra dos fenômenos, ela trazia em si, contudo, as exigências de uma teoria geral do ser, de uma ontologia. Pois Husserl jamais concebeu o fenômeno como separado do ser, nem, portanto, a fenomenologia como um simples fenomenismo, vale dizer, uma simples descrição das aparências, sobre o sentido fundamental sobre as quais não poderíamos nos pronunciar. O ser se dando, ao contrário, no fenômeno, o estudo do fenômeno deve normalmente tornar-se um estudo do ser33”: “A fenomenologia transcendental, sistemática e plenamente desenvolvida, é eo ipso uma autêntica ontologia universal. 34”
O papel da fenomenologia seria, sobretudo elucidar o “puro reino das essências”, correspondendo, em sua origem, a uma filosofia das essências, que eram extraídas pela colocação, entre parênteses, de todo dado de fato, portanto, de toda posição de existência.
”... se o fenômeno não é nada construído, se é acessível a todos, o pensamento racional, o logos, deve sê-lo também e Husserl acaba por conceber uma filosofia nova que realizaria então o sonho de toda a filosofia: tornar-se uma ciência rigorosa35”.
A intencionalidade constitui uma noção central e fundamental da fenomenologia. O princípio da intencionalidade postula que a consciência é sempre “consciência de alguma coisa” e que ela só é consciência ao estar dirigida para um determinado objeto. Não haverá fenômeno a não ser fenômeno para a consciência. Destarte, o objeto só pode ser definido em relação com a consciência, sendo sempre objeto-para-um-sujeito.
“Se o objeto é sempre objeto-para-uma-consciência, ele não será jamais objeto em si, mas objeto percebido, objeto pensado, rememorado, imaginado etc. A análise intencional vai nos obrigar assim a conceber a relação entre a consciência e o objeto sob uma forma que parecerá estranha ao senso comum. Consciência e objeto não são, com efeito, duas entidades separadas na natureza que se trataria em seguida, de pôr em relação, mas consciência e objeto se definem respectivamente a partir desta correlação que lhes é, de alguma maneira, co-original. Se a consciência é sempre “consciência de alguma coisa” e se o objeto é sempre “objeto para uma consciência” é inconcebível que possamos sair dessa correlação, já que, fora dela não haveria nem consciência nem objeto. Assim se encontra delimitado o campo de análise da fenomenologia: ela deve elucidar a essência dessa correlação na qual não somente aparece tal ou qual objeto, mas se estende ao mundo inteiro. Husserl batizará com o nome de nóese a atividade da consciência e com o nome de nóema, o objeto constituído por essa atividade, entendendo-se que se trata do mesmo campo de análise no qual a consciência aparece como se projetando para fora de si própria em direção o objeto e o objeto como se referindo sempre aos atos da consciência36”: “No sujeito há mais que o sujeito, entendamos mais que o cogito ou nóese; há o objeto mesmo enquanto visado, o cogitatum enquanto é puramente para o sujeito, isto é, constituído por sua referência ao fluxo subjetivo da vivência.37”
Ao restaurar a intencionalidade, como visada de consciência, busca e produção de um sentido, a fenomenologia é capaz de perceber e compreender os fenômenos humanos em seu teor vivido, esboçando uma metodologia de compreensão nas ciências humanas.
A análise intencional conduz à redução fenomenológica ou colocação entre parênteses da realidade tal como a concebe o senso comum, como existindo em si, independentemente de todo ato de consciência e leva à distinção entre sujeito e objeto ou consciência e mundo, expressa, também, como ser-no-mundo, correlacionando-se com a dualidade sujeito-objeto e que se traduz por interior e exterior.
A tarefa real e central da fenomenologia se constitui na análise das vivências intencionais da consciência para perceber como nela é produzido o sentido dos fenômenos, o sentido desse fenômeno global designado mundo.
“Esta (a fenomenologia) não estuda os objetos que o especialista de outras ciências considera, mas o sistema total dos atos possíveis da consciência, das aparições possíveis, das significações que se relacionam precisamente com esses objetos. Toda investigação dogmática referindo-se a objetos exige sua transmutação numa investigação transcendental. 38”
A fenomenologia, pelo seu caráter de subjetividade, é empregada por numerosos pesquisadores como quadro de referência para a captação da realidade social, pois a subjetividade é subjacente aos fenômenos sociais, sendo esta dimensão subjetiva que distingue os fenômenos humanos dos fenômenos naturais.
No Capítulo VII trataremos da Dialética dos Sistemas Vivos, enquanto no VIII, abordaremos a Dialética Cibernética, duas propostas dos autores, com base, não só na própria Dialética, abordando uma série de oposições, sobretudo as que se referem a ao antagonismo entre os sistemas e o ambiente e, entre a Entropia e a Negentropia, mas também, na Biologia e na Ecologia, ao adotar o modelo dos organismos vivos e dos ecossistemas naturais e, na Cibernética, introduzindo o seu dispositivo de retroação (retroalimentação ou “feedback”) no processo dialético.
Entretanto, podemos afirmar que a hipótese de construção de uma Dialética Cibernética pode ser resumida como a fusão Dialética com a Cibernética ou, a justaposição de ambas as ciências.
O sistemismo, um dos principais componentes do alicerce deste trabalho, será abordado com mais detalhes no Capítulo II - Enfoque Sistêmico, quando faremos algumas considerações sobre o Estruturalismo, bem como referência ao seu parentesco com o Sistemismo, ambos integrando os fundamentos do Sistemismo Ecológico Cibernético, abordado no Capítulo X.
O Método Científico com os reajustes (“feedback”) que vem se processando, ao longo do tempo, possibilitou o enorme desenvolvimento científico vigente e assegura os avanços futuros.
Em decorrência de sua evolução, o conhecimento cientifico tornou-se cada vez mais vasto e complexo. Daí surgiu a necessidade de conhecimento especializado, de vez que todo o campo de estudo torna-se, dia a dia, mais complexo.
As especializações e sub-especializações têm óbvias vantagens, entretanto, torna continuamente mais parcializante, reducionista, fragmentária a cultura de cada indivíduo, conduzindo-o a uma percepção casuística e limitativa da realidade e de seus componentes, comprometendo a aquisição de uma visão de conjunto, integrativa, gestáltica, sistêmica, ou seja, holística.
O Método Científico tem evoluído constantemente, mas não o suficiente para descaracterizar o aspecto mecanicista, matemático, analítico, fragmentário, característico da visão cartesiano-newtoniana, ainda predominante, apesar dos processos de globalização, em curso em todos os setores da sociedade.
A abordagem do próprio homem, focalizado como objeto de conhecimento, não constitui exceção. Procura-se conhecer melhor sua dimensão espacial (corporal). Disseca-se, cada vez mais, a sua estrutura anatômica, histológica, química (molecular ou iônica), pesquisa-se a sua fisiologia geral, organísmica, celular, expressas por fenômenos físico-químicos. Investiga-se a origem da vida, a estrutura genética, atingindo-se o seu ápice ao mapear, decifrar o genoma humano, bem como a sua dimensão temporal (historicidade): longevidade, evolução biológica, o processo de hominização, cujo ápice é o surgimento da consciência, a sociogênese, a evolução social, científica e tecnológica, mas todos estes estudos ocorrem, geralmente, de maneira desintegrada, dissociada, reducionista, fragmentária.
Ao reverso, o homem precisa ser visualizado, sobretudo, no que tange à sua dimensão sistêmica, holística, (abrangendo seus aspectos bio-psico-sócio-espirituais) e, como integrante dos metassistemas família, comunidade e sociedade e ainda, como componente do ecossistema, formado pelo o sistema humano + o sistema ambiental, integrando a realidade (conjunto de seres, coisas e eventos), constituindo uma malha, um entrelaçamento, uma teia, uma rede, que integra o Universo dinâmico (em movimento), situado na imensidão do espaço/tempo, tendo, o próprio homem, a capacidade de transformar essa realidade e, reciprocamente, sendo por ela afetado, cuja síntese deste inter-relacionamento é o processo mútuo de transformações o conjunto de trocas contínuas e permanentes de matéria, energia e informações entre cada sistema e o respectivo ecossistema, afetando-se mutuamente, daí da necessidade de uma metodologia capaz de abarcar ambos, ao mesmo tempo, como a contida no Sistemismo Ecológico Cibernético, proposta fundamental deste trabalho e constante do Capítulo X.
A complexidade do saber científico atual, aliado ao incremento e velocidade do desenvolvimento da pesquisa, resultando em uma espantosa produção de conhecimentos, é responsável pelo crescimento, cada vez maior, da necessidade de novas especializações, o que vem conduzindo os especialistas a uma estrutura fragmentária de conhecimentos.
No caso específico do homem, tornou-se possível fragmentá-lo, “desmontá-lo” com facilidade, mas o problema crucial, que se afigura agora, é o da reconstrução ou reintegração de suas partes, da sua “remontagem” e da sua integração com o contexto ambiental, familiar, comunitário e social.
A percepção fragmentária é, sem dúvida, decorrente do paradigma cartesiano/newtoniano, mecanicista e analítico que norteou o desenvolvimento cientifico e tecnológico, inclusive o advento e a evolução, até os dias presentes, das profissões de saúde, entre as quais as de medicina e de enfermagem.
Ao tornar este mundo, cada vez mais complexo, em decorrência da evolução científico-tecnológica e social, surgiram tentativas no sentido de sistematizá-lo e simplificá-lo, não só para facilitar a sua compreensão, mas também para permitir ao homem se situar melhor nele, capacitando-o para se beneficiar de suas condições vantajosas e, ao mesmo tempo, se livrar de suas potencialidades agressivas, ou pelo menos, minimizar seus efeitos.
A par das indiscutíveis vantagens do conhecimento especializado e das especializações, tal situação conduz, não raras vezes, a verdadeiros impasses, como resultante da cultura fragmentária ou reducionista da maioria das pessoas, dificultando a integração das partes constituintes do todo, necessária à compreensão dos sistemas e processos em sua totalidade, com isto, impedindo a aquisição de uma visão sintética, globalística, gestáltica ou holística dos fenômenos em estudo.
Conseqüentemente, "o físico, o biologista, o psicólogo e o cientista social estão, por assim dizer, encapsulados em seus universos privados, sendo difícil conseguir que uma palavra passe de um casulo para distante. 39”. .
Como já mencionamos, o próprio homem tem sido, através dos tempos, estudado de uma maneira parcializante.
Essas mesmas tendências surgiram na Psicologia, aparecendo os problemas de totalidade, interação dinâmica e organização.
Segundo Mário Chaves40, “Von Bertalanffy na década de 1920, teria se insurgido contra a abordagem mecanicista que então prevalecia na teoria da biologia, para advogar uma concepção organísmica, como preconizara Claude Bernard41, capaz de ressaltar o organismo como uma totalidade ou sistema e de focalizar a principal meta das ciências biológicas na descoberta dos princípios de organização, em seus diferentes níveis. Já em 1929 e 1932, surge o trabalho de Cannon42 sobre a homeostasia”.
A concepção mecanicista, então vigente na biologia, se propunha à redução dos fenômenos vitais a entidades atômicas e processos parciais. O organismo se resumia a células, suas atividades a processos fisiológicos e, finalmente, físico-químicos, o comportamento se restringia a reflexos incondicionados e condicionados simplesmente, o substrato da hereditariedade era reduzido a partículas cromossômicas.
Ao reverso, no contexto da concepção organísmica, em que se fundamenta a biologia contemporânea, se faz necessário estudar não apenas partes e processos de per si, mas também equacionar os problemas básicos encontrados na organização e na ordem que os unifica, resultante da interação dinâmica das partes (sistêmica, holística), que torna diverso o comportamento das partes, quando é estudado isoladamente ou quando tratado em sua totalidade e abrangência.
Essas mesmas tendências surgiram na Psicologia, aparecendo os problemas de totalidade, interação dinâmica e organização.
Na psicologia clássica associacionista pretendia-se simplificar os fenômenos mentais a unidades elementares - "átomos psicológicos", como as sensações elementares, enquanto a psicologia gestaltista passou a enfatizar a existência e a primazia das totalidades psicológicas, que não podem ser representadas por uma mera somação de unidades elementares, mas disciplinadas por leis dinâmicas e integrativas.
Na mesma linha de raciocínio poderíamos incluir a classificação zoológica, que era estanque antes do advento da teoria da evolução, que veio estabelecer o ordenamento, relacionamento, o parentesco entre todas as espécies animais.
Nas ciências sociais pretendia-se conceituar a sociedade como uma soma de indivíduos, constituída de "átomos sociais", cuja caracterização é o modelo do Homem Econômico, conceito que se torna obsoleto ante a tendência e a necessidade de se focalizar a sociedade, a economia e a nação como um todo perfeitamente estruturado, ordenado, organizado.
Segundo Warren Waver43, a física clássica teve sucesso em criar a teoria da complexidade desorganizada, mas o problema fundamental da atualidade é o da complexidade organizada. Idéias como a de organização, totalidade, direção, teleologia e diferenciação não são, apenas, apanágio da física convencional, surgindo nas ciências biológicas, sociais e do comportamento, tornando-se indispensáveis para estudo dos organismos sociais.
“Este paralelismo dos princípios cognitivos gerais, em diferentes campos, é ainda mais impressionante quando se considera o fato de que estes desenvolvimentos ocorreram independentemente uns dos outros, na maioria dos casos sem qualquer conhecimento do trabalho e da pesquisa realizados em outros campos. 44"
Entretanto, as distorções apontadas vêm resistindo e sobrevivendo, não obstante os esforços transformadores e revolucionários, decorrentes de uma nova cosmovisão, baseada na física moderna que impôs a revisão da perspectiva cartesiana, analítica, mecanicista, substituindo-a por um novo paradigma fundamentado na física e na biologia do nosso tempo e, em teorias holísticas, compatíveis com o modelo dos sistemas auto-organizadores e auto-reguladores, como os organismos vivos e os ecossistemas naturais, portanto, em coerência com uma visão orgânica, sintética, sistêmica e holística do Universo, da vida, do ser humano, da sociedade e do ambiente.
A necessidade de mudança do paradigma que se originou da física clássica, newtoniana, mecanicista e reducionista, tem suas origens nas revisões ocorridas na própria física (física moderna), impostas pelos conhecimentos expressos, entre outras, pela Teoria da Relatividade (Einstein)45, pelo Principio da Incerteza (Heisenberg)46 e pela Teoria Quântica (Max Planck47 e outros).
Em decorrência destas premissas, Lwidg von Bertalanffy48 introduziu, para servir como instrumento de síntese, de totalidade, universalidade e abrangência, a Teoria Geral dos Sistemas (TGS), da qual trataremos no Capítulo II - Enfoque Sistêmico (Sistemismo) - que constitui uma metodologia dela derivada, um dos alicerces fundamentais da metodologia proposta neste livro.
Estribados nesta teoria e em outros aspectos do conhecimento científico-filosófico-social contemporâneo e, com o objetivo de ampliá-la, elaboramos um referencial - o Pensamento Sistêmico-Ecológico Cibernético (PSEC) ou Sistemismo Ecológico Cibernético, constante do Capítulo X, mediante a justaposição de idéias, conceitos e princípios da referida Teoria Geral dos Sistemas (enfoque sistêmico ou sistemismo) com os da Ecologia, além da adição de aspectos de outros ramos do saber.
. O construto resultante destinava-se, inicialmente-a servir de base filosófica para a Teoria Sistêmico-Ecológica de Enfermagem, de autoria de um de nós (Rosalda Paim49, l974), mas como seus Princípios Gerais foram ampliados gradualmente, tornou-se possível, sem que dela se desprendessem (mantendo a sua estrutura, abrangência e unidade), passassem a constituir, ao mesmo tempo, o Pensamento Sistêmico Ecológico Cibernético (PSEC) ou Sistemismo Ecológico Cibernético, o qual será abordado no Capítulo X.





























CAPITULO I
INTRODUÇÃO À METODOLOGIA CIENTÍFICA

A Metodologia Científica constitui uma disciplina instrumental, um roteiro para a concretização da pesquisa.
Na Grécia antiga methodos significava “caminho para chegar a um fim”.
Portanto, etimologicamente, método quer dizer caminho, direção, rota, orientação para se atingir determinado propósito, alvo, fim, objetivo ou meta. Representa um conjunto de meios ou instrumentos dispostos adequadamente para se atingir um objetivo.
Como ponto de partida, vejamos que o “termo Método tem dois significados fundamentais: 1o. Qualquer pesquisa ou orientação de pesquisa; 2o. Uma técnica particular de pesquisa. No primeiro caso, não se distingue de “investigação” ou “doutrina”. O segundo significado é mais restrito e indica um procedimento de investigação organizado, repetível e auto corrigível, que garanta a obtenção de resultados válidos. Ao primeiro significado referem-se expressões como “Método hegeliano”, “Método dialético”, etc., ou mesmo “Método geométrico”, “Método experimental”, etc. Ao segundo referem-se expressões como “Método silogístico”, “Método residual e, em geral os que designam procedimentos específicos de investigação e verificação.1”
A palavra método pode designar quatro coisas distintas: 1a. lógica ou parte da lógica que estuda os métodos; 2a. lógica transcendental; 3a. o conjunto de procedimentos metodológicos de uma ou de várias ciências e, 4a. a análise filosófica desses procedimentos.
O termo metodologia indica, freqüentemente, um conjunto de procedimentos técnicos de averiguação, verificação ou pesquisa, disponível para uma disciplina específica ou, para grupos de disciplinas.
O método científico representa a maneira como o cientista opera no sentido de elucidar, explicar ou controlar a realidade.
A natureza, bem como a própria realidade inteira - conjunto de seres, coisas, eventos e processos - responde tudo que o pesquisador desejar saber, mas para isso, é necessário que ele saiba interrogá-la e, a melhor receita para atingir tal propósito é a adequada utilização do método científico.
O método científico é de aplicação geral, podendo ser comum a várias ciências, ou melhor, comum a todos os setores do conhecimento científico. O que varia, o que diverge é o objeto de estudo de cada ramo da ciência, exigindo-se adaptações e técnicas específicas.
Entretanto, cada ciência tem seu objeto, seu corpo de conhecimentos, sua teoria, seu discurso característico, seus critérios de verdade e. quase mesmo, um método próprio.
Assim, o método epidemiológico é, na realidade, o método científico, adaptado e aplicado ao estudo da história natural das doenças, isto é, a investigação a respeito do local em que uma moléstia incide, quando acontece, porque ocorre e como evolui, qual a sua natureza, porque atuam e como atuam os agentes patogênicos e os elementos capazes de funcionar como veículos de transmissão e, como se comportam os hospedeiros, envolvendo ainda, todas as relações ecológicas existentes entre agentes patogênicos, transmissores e hospedeiros, ou seja, as interações existentes entre eles no ambiente do qual compartilham.
Método “é o procedimento ou conjunto de procedimentos que servem como instrumento para satisfazer as necessidades da investigação”.
Para Piovesan.2, método é o conjunto de regras da pesquisa científica.
Método é um roteiro sistematizado para orientar o pensamento, investigar a realidade, atuar sobre a mesma ou comunicar o resultado de tais atividades.
“Método é um conjunto de etapas, ordenadamente dispostas, a serem vencidas na investigação da verdade, no estudo de uma ciência ou para alcançar um determinado fim. 3”
Destarte, é também, o conjunto de ações sistematizadas objetivando a produção, a utilização ou a comunicação do conhecimento científico.
Representa, pois, a sistematização em qualquer setor das atividades humanas. Alicerça-se na pesquisa, ou seja, na coleta sistematizada de dados, seguida de sua análise e interpretação.
“Reserva-se a palavra método para significar o traçado das etapas fundamentais da pesquisa, enquanto a palavra técnica significa os diversos procedimentos ou a utilização de diversos recursos peculiares a cada objeto da pesquisa, dentro das diversas etapas do método. Diríamos que a técnica é a instrumentação específica da ação, e que o método é mais geral, mais amplo, menos específico. Por isso, dentro das linhas gerais e estáveis do método, as técnicas variam muito e se alteram e progridem de acordo com o progresso tecnológico.4”
A técnica é, pois, meio auxiliar do método. Consiste em aplicações específicas e, portanto, mais restritas.
O método científico empírico, experimental, foi proposto inicialmente por Francis Bacon5, através da obra designada “Da Proficiência do Saber, Divino e Humano” (1605), depois desenvolvido no Novum Organum, do mesmo autor (l620), em contraposição ao método escolástico, então prevalente, herdado da idade média, quando a igreja católica, através da obra de São Tomás de Aquino (1225-1274), adotara oficialmente o método aristotélico, dominando o ensino e o estudo da natureza, com base em conceitos teológicos sobre Deus e o universo.
Ele atacara o escolasticismo que considerava estéril, propunha o raciocínio indutivo - um sistema que, a partir de fatos específicos observáveis - podem se efetuar amplas generalizações, verificando-as, a cada passo, para detectar possíveis exceções e rejeitar ou rever tais generalizações, com base nessas exceções.
Foi o advento e progresso do método científico que permitiu o avanço da ciência e da tecnologia.
Bacon afirmara, categoricamente, que o método correto de pesquisa científica, isto é, o método indutivo, poderia dar ao homem o domínio da natureza.
“Tentando renovar e reorganizar as ciências, Bacon6 procurou um sistema de metodologia científica inteiramente novo; a necessidade da prova na determinação dos fenômenos fundamentais da natureza era seu pré-requisito filosófico. Seria possível estruturar a base de uma nova filosofia não fundada em Aristóteles ou qualquer outra autoridade da Antigüidade, pelo acúmulo suficiente de observações e fatos.”
O método cientifico indutivo foi desenvolvido, mais tarde, por Galileu7 (1632), o qual aderiu à teoria heliocêntrica de Copérnico.8 O notável físico suíço Friederich Dessauer, comentou a respeito de sua imensa importância e influência na história da ciência: “De todas as conquistas de Galileu, sua maior dádiva a posteridade foi o método indutivo, centro de todas as ciências exatas; aperfeiçoado ainda, nos anos que lhe seguiram, provou constituir-se na chave do ser, abrindo sempre novas estradas, de profundidade cada vez maior. E foi através do método indutivo que o nosso conhecimento do mundo cresceu e se tornou um milhão de vezes maior que o dos antigos.”
Para Galileu, o método experimental se constituiria de dois momentos - a indução e a dedução, que viriam a se transformar, na realidade, em dois métodos, gerando duas correntes antagônicas do pensamento - o empirismo inglês, dos quais são expoentes, Hobbes, Locke, Berkeley e Hume e o racionalismo de Descartes, Melebranche, Espinoza e Leibniz.
“Coube ao gênio de René Descartes10 (1637), balizar o roteiro para a investigação dos problemas científicos, através do Discurso sobre o Método”.
Antes e acima de tudo, Descartes foi um matemático, um dos pensadores mais originais do mundo, em seu campo. Criou a geometria analítica, unindo a geometria à álgebra.
Em sua época, a matemática era o principal instrumento para descobrir fatos da natureza.
O método de Descartes é, portanto, matemático e analítico.
O racionalismo cartesiano é sintetizado pela frase “penso, logo existo” e postula que a verdadeira essência do ser humano consiste na razão. A filosofia e o método de Descartes são, pois, racionalistas.
O método de Descartes ou método cartesiano, além de matemático e analítico é, pois, racional.
O termo cartesiano correspondente ao nome de Descartes em latim - Renatus Cartesius.
Descartes concluíra que o método matemático era o instrumento ideal para ser aplicado em todas as esferas do saber e que daria resultados de igual precisão e confiança em metafísica, lógica e ética. Para Descartes tudo aquilo que não se podia traduzir em termos matemáticos era irreal.
Em contraposição ao raciocínio indutivo (que vai do particular ao geral), proposto por Bacon e aperfeiçoado por Galileu, Descartes postulava o primado do método dedutivo (que do geral chega ao particular), o qual permitiria as descobertas através do encadeamento lógico de hipóteses formuladas a partir da atividade primordial da razão.
Como Galileu e Newton11, Descartes via o universo como uma máquina gigantesca, semelhante a um mecanismo de relógio, na qual tudo era previsível e mensurável.
. O método cartesiano, além de matemático, analítico, racionalista e dedutivo é, também, mecanicista.
De acordo com estas premissas, o Universo inteiro poderia ser explicado pelas leis da matemática e da mecânica.
O Discurso sobre o Método, de René Descartes, foi considerado por Butterfield12, autor de “As Origens da Ciência Moderna” como um dos livros realmente importantes da nossa historia intelectual, julgamento corroborado por quase quatro séculos de influência universal e afirma que “a concepção cartesiana de uma ciência universal, única, tão unificada, tão ordenada, tão interligada, talvez tenha sido uma das suas mais notáveis contribuições à revolução científica”.
O positivismo, derivado do “cientificismo racionalista”, baseado na concepção do poder absoluto da razão em conhecer realidade e traduzi-la mediante leis naturais, foi criado pelo pensador francês, Augusto Comte13, reforçando a crença no modelo matemático, físico e mecânico.
Comte pretendeu conhecer e explicar a natureza por meio da observação e da experimentação, procurando as leis que a regem, não se buscando, entretanto, leis gerais além do que fosse permitido pela experimentação e pela dedução ou pelo raciocínio matemático, enquanto tudo que ficasse para além deste domínio seria metafísico e não teria valor.
O positivismo foi também designado organicismo, em virtude de conceber a sociedade como um organismo, constituído de partes integradas e coesas, funcionando harmonicamente, consoante o modelo físico-mecânico, introduzindo, também, a idéia de que uma sociedade é algo mais do que o simples somatório dos indivíduos, em contraste com o reducionismo das idéias, então, vigentes.
Augusto Comte, malgrado a característica reducionista do positivismo, pretendeu alçá-lo em nível de universalidade, perseguindo o ideal de Descartes de unificação da ciência e, buscando construir uma pretensa religião da humanidade.
Entre os filósofos iluministas já se encontravam adeptos da idéia de que toda a matéria, incluindo os processos vitais que, consistindo em movimento dessa matéria, obedeciam às leis naturais e que esses princípios deveriam, também, nortear o conhecimento racional da sociedade, buscando-se as leis naturais da organização social.
Não obstante a filosofia da Ilustração já encerrasse potencial passível de conduzir à descoberta das bases materiais das relações sociais, formulando-se a concepção reducionista de uma sociedade representada pelo somatório de individualidades ou “átomos sociais”, o que consistiu no máximo que seus filósofos puderam atingir e, para o quais o comportamento social seria resultado da estrita manifestação da vontade das consciências individuais.
Embora o positivismo reconhecesse que os princípios reguladores do mundo físico e do mundo social diferiam em sua essência, estendeu este raciocínio até mesmo para o estudo da sociedade, cujo conhecimento designou como “física social”, antes que o próprio Comte cunhasse o termo Sociologia, constituindo-se na primeira corrente do pensamento sociológico e atraindo os primeiros cientistas sociais para o seu método de investigação.
Outras correntes do pensamento sociológico enriqueceram o método científico, possibilitando a adoção de metodologias mais específicas para o estudo da sociedade. Entre estas se destacam o estruturalismo, o funcionalismo, a dialética, a fenomenologia, o sistemismo, além de metodologias alternativas, tais como a pesquisa-ação, a pesquisa participativa e a hermenêutica.
O sistemismo será abordado com mais detalhes no Capítulo II - Enfoque Sistêmico e, no Capítulo X - Sistemismo Ecológico Cibernético, quando serão feitas considerações sobre o parentesco entre o Sistemismo e o Estruturalismo.
Com referência à Dialética, pode-se distinguir quatro significados fundamentais: a) - como método da divisão, b) - como lógica do provável, c) - como lógica e, d) - como síntese dos opostos e, desta última, trataremos, a seguir:
O racionalismo hegeliano postula que a razão ou lógica pura, não só concebe as coisas como lhe dá origem, provocando a ação, não existindo uma linha divisória entre o conhecimento filosófico e sua aplicação para explicação do fato científico e, a vida muda constantemente como resultado de uma luta dialética de idéias opostas, nas quais os contrários resultam numa síntese, somente para engendrar suas próprias contradições.
Embora sem expressar a evolução histórica do termo, a Dialética corresponde ao “processo em que há um adversário a ser combatido ou uma tese a ser refutada e que supõe, portanto, dois protagonistas ou duas teses em conflito, ou então, que é um processo resultante do conflito ou da oposição de dois princípios, dois momentos ou duas atividades quaisquer”.
Para Hegel, a realidade inteira move-se dialeticamente. .Assim, a filosofia hegeliana vê em toda parte tríades de teses, antíteses e sínteses, nas quais a antítese corresponde à negação, ao oposto, ao outro da tese, enquanto a síntese constitui a unidade e, ao mesmo tempo, a certificação de ambas.
Hegel14, ao conceber a realidade, entende haver no mundo uma idéia absoluta capaz de tomar consciência de si mesma. Inicialmente, sob a forma de espírito subjetivo ou individual, depois, mediante a forma de espírito objetivo ou coletivo (na família, no estado). A partir daí, eleva-se para o absoluto. Destarte, os espíritos se dirigem, gradativamente, para a unidade do Espírito ou da idéia absoluta, a qual se dispersa a fim de tomar consciência de si. A realidade verdadeira seria a realidade do pensamento. Para Hegel, “tudo o que é real é racional; o que é racional é real”. O mundo, como as coisas e o eu não seriam nada mais que a exteriorização do Espírito. Nesta realidade há um constante devir que se processa na afirmação, na negação e na negação da negação (tese, antítese e síntese).
É nesta visão que deve ser entendida a Fenomenologia do Espírito, de Hegel: “o auto-reconhecimento do Absoluto como espírito dá lugar a uma série de figuras lógicas e históricas que são os graus que o Espírito deve percorrer para alcançar o reconhecimento e a posse de si mesmo. A tarefa primeira da Filosofia é, por isso, a de voltar àquela série de figuras da história ideal do Espírito; por isso a primeira parte do sistema científico da Filosofia deve ser uma Fenomenologia do Espírito, ou seja, percorrer todas as figuras e cada grau já percorrido pelo Espírito na sua história ideal e na sua cronologia. No processo, cada momento do espírito é superado por um momento mais elevado e mais completo. Isso, porém, não quer dizer que a figura em que o Espírito se apresentava no seu grau inferior fosse falsa, apenas não era adequada. 15”
Na seção de autoconsciência da Fenomenologia do Espírito, Hegel16 inicia a estudar figuras tipicamente históricas, tais como as clássicas passagens dedicadas ao antagonismo patrão escravo (dialética patrão-escravo), demonstrando a recíproca compenetração das categorias de autonomia e dependência. Para Hegel, o escravo depende do patrão tanto quanto este depende do escravo, uma vez que necessita dele. Através da luta entre autonomia e dependência (luta dos contrários), atinge-se como resultado concreto o desenvolvimento do Espírito, isto é, o nascer do sentimento de liberdade.
“Para Hegel17, o processo dialético da realidade, que nós chamamos objetiva, não é mais do que uma manifestação exteriorizada do mundo. Para Marx18, pelo contrário, o mundo material existe independentemente de todo o espírito e é na matéria, enquanto tal que se produzem as teses e antíteses que levam as sínteses provisórias, que por sua vez, marcam as fases da evolução cósmica. A dialética do pensamento é um reflexo da dialética das coisas. Também em Hegel encontravam-se afirmações análogas, mas na filosofia de Hegel as próprias coisas eram apenas o reflexo do pensamento.”
Hegel preconiza o primado da consciência sobre a matéria, enquanto Marx e Engels postulam o contrário - o primado da matéria sobre a consciência.
A inversão da dialética hegeliana é, desta maneira, expressa por Marx e Engels19: “o sistema hegeliano estava de cabeça para baixo; nós o pusemos de pé”.
Na visão marxista da realidade, os processos dialéticos que caracterizam essencialmente a matéria, somente são observáveis no pensamento como reflexo do mundo material. Teríamos, assim, uma estrutura da realidade, com suas leis e, uma superestrutura determinada pela primeira.
As relações econômicas, segundo Marx, têm supremacia sobre todas as outras, tornando-se determinação estrutural e, por sua vez, estas estruturas determinarão as relações políticas.
As relações econômicas que se efetuam entre um sistema social e outro, podem ser sintetizadas como intercâmbios de matéria, energia e informações.
“A Economia, que engloba os esforços do homem no sentido de se apropriar da matéria e explorá-la, constitui a estrutura essencial das relações humanas, e as ideologias não passam de uma superestrutura. Ou seja, as relações humanas que se estabelecem na Economia, quer dizer, no esforço do homem para se apropriar da matéria, constituem a estrutura determinante da vida da humanidade. O trabalho, como matéria prima se transforma em produto e este em mercadoria, objeto de troca por dinheiro, e este por sua vez, em capital. Então, o trabalho humano, o próprio homem torna-se coisificado, e a mercadoria um fetiche. A mercadoria fetichizada aprisiona o trabalho humano e, de uma certa forma, o valor do homem. A mercadoria, no seu valor de troca, aparece como a mesma realidade humana e a torna coisa. Mas o valor de troca é só um aspecto que encobre as coisas e não nos dá a realidade. É preciso que a realidade se revele, se torne fenômeno. 20”
A lógica dialética marxista ao penetrar na consciência do homem constitui método para reinterpretar e transformar o real.
“A lógica dialética nasce pelo fato de que se considera a realidade intimamente contraditória, isto é, uma unidade de ser e não ser juntos (tendo como própria a tese de Hegel, de que “todas as coisas têm a contradição em si mesmas”. Conseqüentemente, considera-se, que sendo a realidade assim feita, somente a dialética, a lógica da contradição, é adequada para entendê-la (enquanto a lógica não contraditória, justamente enquanto exclui a contradição, daria uma imagem falsa da realidade). A natureza é dialética, a sociedade também é dialética; por isso, elas não podem ser conhecidas a não ser através de uma análise dialética.21”
O materialismo marxista, referindo-se ao aspecto racional da realidade, afirmava que o sistema de idéias, então vigentes, não era racional, mas deveria se transformar em um sistema racional.
Luigino Valentini22 expressa: Reconhecemos o valor que cada lógica tem na investigação de aspectos particulares da realidade, porém, a reflexão sobre o vivido não pode ser confiada à racionalidade da lógica positiva das ciências, porque esta objetiva a realidade humana e a reduz a sua totalidade. A lógica pragmatista e a dialética, por si só são inadequadas a colher aspectos do vivido que fogem à sua ótica enquanto elas absolutizam o homem em sua finitude. Não é completamente adequada a lógica conjetural a fazer este tipo de investigação, enquanto, mesmo que seja capacitada a colher parte do real, ela atomiza a realidade humana. As intuições da visão do mundo da teoria da relatividade que valoriza a participação subjetiva do homem no conhecimento científico da realidade em sua globalidade nos encorajam a adotar como método de nosso estudo, a lógica transcendental. Ela procura a subjetividade em suas múltiplas relações, procura o transcendente a partir da condição humana da finitude, isto é, do aqui e agora do homem concreto na busca da realidade pelo compromisso e na necessidade da crença.”
O mesmo autor refere que a “lógica” pela qual se norteia para a leitura do real, assumindo o mesmo ponto de vista de Edmund Husserl23, é a Lógica Transcendental, o qual, ao elucidar a lógica de Platão, considera-a como “o lugar de indagação sobre as exigências essenciais de o verdadeiro saber e da verdadeira ciência”, o que corresponde à possibilidade que o homem tem de abarcar a realidade em toda a sua amplitude. Logo, a lógica seria alcançar um ponto de vista através do qual seria possível atingir o verdadeiro saber e a verdadeira ciência.
Pedro Demo24 considera “a dialética a metodologia mais conveniente para a realidade social, a ponto de a tomarmos como postura metodológica específica para essa realidade no sentido em que não se aplica à realidade natural porque esta é destituída de fenômeno histórico subjetivo... Dizíamos que entre as realidades natural e social há diferença suficiente não estanque. Entretanto, para além das condições objetivas, a realidade social é movida igualmente por condições subjetivas, que não são nem maiores nem menores... Na prática vamos encontrar não só dialéticas diferentes, divergentes, mas até mesmo contraditórias, como em qualquer campo metodológico”.
Este autor argumenta a favor da dialética histórico-estrutural que lhe parece a mais consentânea com a realidade histórica, porque equilibraria a contento o jogo das condições objetivas e subjetivas.
Edmund Husser25, autor de “Lógica Formal e Transcendental”, assim se expressa: “Se Lotze, num ditado que se tornou célebre, declarou que a tarefa mais alta do conhecimento não era medir o curso do mundo, mas compreendê-lo, nós, por nossa vez, devemos nos apropriar deste ditado, mutatis mutandis também para a Lógica, para o reino das formações lógicas, isto é, no sentido de que não podemos ficar satisfeitos com que a Lógica, nos moldes das ciências positivas, confira às teorias objetivas de uma forma metódica e reconduza as formas de uma possível autêntica teoria aos princípios e normas. Nós devemos sair do esquecimento de nós mesmos, característica própria das pessoas teóricas que, jogando-se na operação teórica às coisas, às teorias e métodos, não sabem nada sobre a interioridade de seu operar, isto é, do teórico que vive naquelas coisas teóricas e métodos, mas não tem o seu olhar tematicamente esta mesma vida operante. Somente através de uma clarificação de princípios que desça a profundeza da interioridade, onde atuam o conhecer e a teoria, tornar-se-á compreensível aquilo que é realizado como teoria e como ciência autêntica. Somente de tal forma se faz compreensível o verdadeiro sentido daquele ser que a ciência nas suas teorias tinha intenção de elaborar como verdadeiro ser, verdadeira natureza, verdadeiro mundo espiritual.”
Teceremos, agora, considerações sobre alguns aspectos de uma outra corrente filosófica e metodológica, a Fenomenologia.
Etimologicamente, Fenomenologia é o estudo ou ciência do fenômeno, considerado como tal tudo que aparece.
Foi instaurada por Husserl (1859-1938), na segunda metade do século passado, a partir das análises de Bretano sobre a intencionalidade da consciência, buscando a descrição, a compreensão e a interpretação de fenômenos que se apresentam à percepção. Objetiva modificar a relação do homem com o mundo (o ser no mundo) e melhor extrair seu sentido, constituindo-se numa abordagem que procura valorizar os aspectos subjetivos, além da característica de compreensão das ciências humanas, particularmente no que concerne ao fenômeno humano.
O método fenomenológico surge, em contraposição à objetividade e a matematização do conhecimento, características atinentes ao cientificismo, ao positivismo.
A Fenomenologia representa uma corrente filosófica que corresponde a uma terceira via entre o discurso especulativo da Metafísica e o raciocínio das ciências positivas, ou seja, aquela que, antes de todo raciocínio, nos colocaria no mesmo plano da realidade, isto é, representaria uma volta às “coisas mesmas” ou àquilo que é dado, que aparece na consciência.
A Fenomenologia seria a ciência capaz de preencher o espaço vazio deixado pela filosofia especulativa e pelo próprio positivismo, para o qual o conhecimento objetivo estaria imune às construções subjetivas da metafísica.
“No fundo, a fenomenologia nasceu no momento em que, colocando entre parênteses - provisória ou definitivamente - a questão do ser, trata-se como um problema autônomo à maneira de aparecer das coisas. Há fenomenologia rigorosa no momento em que essa dissociação é refletida por ela mesma qualquer que seja seu destino definitivo; ...26”. “Isto significa que a perspectiva filosófica é um fator essencial à constituição de uma fenomenologia que se quer rigorosa. 27”
Consoante postula esta corrente do pensamento filosófico, o fenômeno é percebido pela consciência cognoscente, diretamente, sem intermediário, o que quer dizer, pela intuição.
A intuição ocorre, pois, quando o objeto do conhecimento pode se nos apresentar de modo imediato, sem intermediário. Origina do latim “Intuere”, e significa ver.
Intuição é uma modalidade de conhecimento que pela sua característica de atingir o objeto sem “meio” ou sem o intermédio das comparações, assemelhando-se ao fenômeno da visão.
A Fenomenologia é uma ciência das essências ou “ciência eidética” e postula ser possível alcançar uma compreensão à priori do ser, isto é, independentemente da experiência efetiva.
“... o discurso filosófico deve sempre permanecer em contato com a intuição se não quiser se dissolver em especulações vazias. Esse retorno incessante à intuição originária”, fonte de direito para o conhecimento”, Husserl o chama de princípio dos princípios: Significações que não fossem vivificadas senão por intuições longínquas e imprecisas, inautênticas - se é que isso acontece através de intuições quaisquer - não poderiam nos satisfazer. Nós queremos voltar às coisas mesmas.28”.
Husserl coloca como exigência fundamental que o teórico saia do “esquecimento de si”, o que significa que, no exercício da Lógica, ele deverá recuperar sua subjetividade, estando presente em seu ato, na condição de sujeito, uma vez que não ocorreria um verdadeiro conhecimento não acontecendo um simultâneo conhecimento de si. Ao mesmo tempo em que a coisa está “diante dos olhos”, a “a mão”, o sujeito também “está aí”, percebendo-se presente.
O papel fundamental da fenomenologia seria, sobretudo elucidar o “puro reino das essências”, correspondendo, em sua origem, a uma filosofia das essências, que podem ser extraídas pela colocação, entre parênteses, de todo dado de fato, quer dizer, de toda posição de existência.
Através da redução fenomenológica, o sujeito sai da atitude ingênua e primária com referência a si próprio e às coisas, constituindo o sentido intrínseco e original da realidade, a qual se dá pela relação essencial com a subjetividade, expressando o seu comprometimento com o mundo, o qual passa a conhecer na totalidade de suas relações.
Para Merleau-Ponty29, “Voltar às coisas mesmas é voltar a esse mundo antes do conhecimento, do qual o conhecimento fala sempre e com relação ao qual toda determinação científica é abstrata, signitiva e dependente, como a geografia com relação à paisagem onde aprendemos pela primeira vez o que é uma floresta, uma campina ou um rio”.
André Dartigues30 diz: Pode parecer surpreendente que o que se chamou na França “existencialismo” se ligue à fenomenologia, já que esta era na origem uma filosofia das essências que se extraiam pela colocação entre parênteses de todo dado de fato, logo, de toda posição de existência. Mas observamos também que esse ponto de partida, que poderia ter conduzido Husserl a uma forma de logicismo ou de platonismo, foi bastante rapidamente corrigido pelo cuidado escrupuloso de “voltar às coisas mesmas”, logo de ligar essas essências à atividade da consciência sem a qual não poderiam ter sido concebidas. A redução fenomenológica havia posto em evidência a intencionalidade da consciência para a qual todo objeto do mundo, real ou ideal, remetia à camada primitiva da vivência. Assim, as essências, longe de construírem um mundo separado, não eram senão a explicitação no “campo da idealidade” desse fato bruto e primordial que é o ser no mundo: ”Longe de ser, como se acreditou, escreve Merleau-Ponty31, a forma de uma filosofia idealista, a redução fenomenológica é a fórmula de uma filosofia existencial; o “In-der-Welt-Sein” de Heidegger só aparece sob o fundo da redução fenomenológica”.
Em razão da complexidade de seu objeto, as ciências humanas estariam a necessitar urgentemente de uma renovação de métodos, mas enquanto adequada à reflexão sobre as atividades e o conhecimento humanos, a fenomenologia concerne à ciência em seu conjunto, de vez que tudo que existe ou acontece é fenômeno, tornando o domínio da fenomenologia praticamente ilimitado, motivo pelo qual não seria possível confiná-la em uma ciência específica.
“A fenomenologia se apresentou desde o seu início como uma tentativa para resolver um problema que não é o de uma seita: ele se colocava desde 1900 a todo o mundo, ele se coloca ainda hoje. O esforço filosófico de Husserl é, com efeito, destinado em seu espírito a resolver simultaneamente uma crise da filosofia, uma crise das ciências do homem e uma crise das ciências pura e simplesmente da qual ainda não saímos. 32”
“Se a fenomenologia foi em seu início antimetafísica, ao abandonar as especulações e as construções filosóficas pela descrição neutra dos fenômenos, ela trazia em si, contudo, as exigências de uma teoria geral do ser, de uma ontologia. Pois Husserl jamais concebeu o fenômeno como separado do ser, nem, portanto, a fenomenologia como um simples fenomenismo, vale dizer, uma simples descrição das aparências, sobre o sentido fundamental sobre as quais não poderíamos nos pronunciar. O ser se dando, ao contrário, no fenômeno, o estudo do fenômeno deve normalmente tornar-se um estudo do ser33”: “A fenomenologia transcendental, sistemática e plenamente desenvolvida, é eo ipso uma autêntica ontologia universal. 34”
O papel da fenomenologia seria, sobretudo elucidar o “puro reino das essências”, correspondendo, em sua origem, a uma filosofia das essências, que eram extraídas pela colocação, entre parênteses, de todo dado de fato, portanto, de toda posição de existência.
”... se o fenômeno não é nada construído, se é acessível a todos, o pensamento racional, o logos, deve sê-lo também e Husserl acaba por conceber uma filosofia nova que realizaria então o sonho de toda a filosofia: tornar-se uma ciência rigorosa35”.
A intencionalidade constitui uma noção central e fundamental da fenomenologia. O princípio da intencionalidade postula que a consciência é sempre “consciência de alguma coisa” e que ela só é consciência ao estar dirigida para um determinado objeto. Não haverá fenômeno a não ser fenômeno para a consciência. Destarte, o objeto só pode ser definido em relação com a consciência, sendo sempre objeto-para-um-sujeito.
“Se o objeto é sempre objeto-para-uma-consciência, ele não será jamais objeto em si, mas objeto percebido, objeto pensado, rememorado, imaginado etc. A análise intencional vai nos obrigar assim a conceber a relação entre a consciência e o objeto sob uma forma que parecerá estranha ao senso comum. Consciência e objeto não são, com efeito, duas entidades separadas na natureza que se trataria em seguida, de pôr em relação, mas consciência e objeto se definem respectivamente a partir desta correlação que lhes é, de alguma maneira, co-original. Se a consciência é sempre “consciência de alguma coisa” e se o objeto é sempre “objeto para uma consciência” é inconcebível que possamos sair dessa correlação, já que, fora dela não haveria nem consciência nem objeto. Assim se encontra delimitado o campo de análise da fenomenologia: ela deve elucidar a essência dessa correlação na qual não somente aparece tal ou qual objeto, mas se estende ao mundo inteiro. Husserl batizará com o nome de nóese a atividade da consciência e com o nome de nóema, o objeto constituído por essa atividade, entendendo-se que se trata do mesmo campo de análise no qual a consciência aparece como se projetando para fora de si própria em direção o objeto e o objeto como se referindo sempre aos atos da consciência36”: “No sujeito há mais que o sujeito, entendamos mais que o cogito ou nóese; há o objeto mesmo enquanto visado, o cogitatum enquanto é puramente para o sujeito, isto é, constituído por sua referência ao fluxo subjetivo da vivência.37”
Ao restaurar a intencionalidade, como visada de consciência, busca e produção de um sentido, a fenomenologia é capaz de perceber e compreender os fenômenos humanos em seu teor vivido, esboçando uma metodologia de compreensão nas ciências humanas.
A análise intencional conduz à redução fenomenológica ou colocação entre parênteses da realidade tal como a concebe o senso comum, como existindo em si, independentemente de todo ato de consciência e leva à distinção entre sujeito e objeto ou consciência e mundo, expressa, também, como ser-no-mundo, correlacionando-se com a dualidade sujeito-objeto e que se traduz por interior e exterior.
A tarefa real e central da fenomenologia se constitui na análise das vivências intencionais da consciência para perceber como nela é produzido o sentido dos fenômenos, o sentido desse fenômeno global designado mundo.
“Esta (a fenomenologia) não estuda os objetos que o especialista de outras ciências considera, mas o sistema total dos atos possíveis da consciência, das aparições possíveis, das significações que se relacionam precisamente com esses objetos. Toda investigação dogmática referindo-se a objetos exige sua transmutação numa investigação transcendental. 38”
A fenomenologia, pelo seu caráter de subjetividade, é empregada por numerosos pesquisadores como quadro de referência para a captação da realidade social, pois a subjetividade é subjacente aos fenômenos sociais, sendo esta dimensão subjetiva que distingue os fenômenos humanos dos fenômenos naturais.
No Capítulo VII trataremos da Dialética dos Sistemas Vivos, enquanto no VIII, abordaremos a Dialética Cibernética, duas propostas dos autores, com base, não só na própria Dialética, abordando uma série de oposições, sobretudo as que se referem a ao antagonismo entre os sistemas e o ambiente e, entre a Entropia e a Negentropia, mas também, na Biologia e na Ecologia, ao adotar o modelo dos organismos vivos e dos ecossistemas naturais e, na Cibernética, introduzindo o seu dispositivo de retroação (retroalimentação ou “feedback”) no processo dialético.
Entretanto, podemos afirmar que a hipótese de construção de uma Dialética Cibernética pode ser resumida como a fusão Dialética com a Cibernética ou, a justaposição de ambas as ciências.
O sistemismo, um dos principais componentes do alicerce deste trabalho, será abordado com mais detalhes no Capítulo II - Enfoque Sistêmico, quando faremos algumas considerações sobre o Estruturalismo, bem como referência ao seu parentesco com o Sistemismo, ambos integrando os fundamentos do Sistemismo Ecológico Cibernético, abordado no Capítulo X.
O Método Científico com os reajustes (“feedback”) que vem se processando, ao longo do tempo, possibilitou o enorme desenvolvimento científico vigente e assegura os avanços futuros.
Em decorrência de sua evolução, o conhecimento cientifico tornou-se cada vez mais vasto e complexo. Daí surgiu a necessidade de conhecimento especializado, de vez que todo o campo de estudo torna-se, dia a dia, mais complexo.
As especializações e sub-especializações têm óbvias vantagens, entretanto, torna continuamente mais parcializante, reducionista, fragmentária a cultura de cada indivíduo, conduzindo-o a uma percepção casuística e limitativa da realidade e de seus componentes, comprometendo a aquisição de uma visão de conjunto, integrativa, gestáltica, sistêmica, ou seja, holística.
O Método Científico tem evoluído constantemente, mas não o suficiente para descaracterizar o aspecto mecanicista, matemático, analítico, fragmentário, característico da visão cartesiano-newtoniana, ainda predominante, apesar dos processos de globalização, em curso em todos os setores da sociedade.
A abordagem do próprio homem, focalizado como objeto de conhecimento, não constitui exceção. Procura-se conhecer melhor sua dimensão espacial (corporal). Disseca-se, cada vez mais, a sua estrutura anatômica, histológica, química (molecular ou iônica), pesquisa-se a sua fisiologia geral, organísmica, celular, expressas por fenômenos físico-químicos. Investiga-se a origem da vida, a estrutura genética, atingindo-se o seu ápice ao mapear, decifrar o genoma humano, bem como a sua dimensão temporal (historicidade): longevidade, evolução biológica, o processo de hominização, cujo ápice é o surgimento da consciência, a sociogênese, a evolução social, científica e tecnológica, mas todos estes estudos ocorrem, geralmente, de maneira desintegrada, dissociada, reducionista, fragmentária.
Ao reverso, o homem precisa ser visualizado, sobretudo, no que tange à sua dimensão sistêmica, holística, (abrangendo seus aspectos bio-psico-sócio-espirituais) e, como integrante dos metassistemas família, comunidade e sociedade e ainda, como componente do ecossistema, formado pelo o sistema humano + o sistema ambiental, integrando a realidade (conjunto de seres, coisas e eventos), constituindo uma malha, um entrelaçamento, uma teia, uma rede, que integra o Universo dinâmico (em movimento), situado na imensidão do espaço/tempo, tendo, o próprio homem, a capacidade de transformar essa realidade e, reciprocamente, sendo por ela afetado, cuja síntese deste inter-relacionamento é o processo mútuo de transformações o conjunto de trocas contínuas e permanentes de matéria, energia e informações entre cada sistema e o respectivo ecossistema, afetando-se mutuamente, daí da necessidade de uma metodologia capaz de abarcar ambos, ao mesmo tempo, como a contida no Sistemismo Ecológico Cibernético, proposta fundamental deste trabalho e constante do Capítulo X.
A complexidade do saber científico atual, aliado ao incremento e velocidade do desenvolvimento da pesquisa, resultando em uma espantosa produção de conhecimentos, é responsável pelo crescimento, cada vez maior, da necessidade de novas especializações, o que vem conduzindo os especialistas a uma estrutura fragmentária de conhecimentos.
No caso específico do homem, tornou-se possível fragmentá-lo, “desmontá-lo” com facilidade, mas o problema crucial, que se afigura agora, é o da reconstrução ou reintegração de suas partes, da sua “remontagem” e da sua integração com o contexto ambiental, familiar, comunitário e social.
A percepção fragmentária é, sem dúvida, decorrente do paradigma cartesiano/newtoniano, mecanicista e analítico que norteou o desenvolvimento cientifico e tecnológico, inclusive o advento e a evolução, até os dias presentes, das profissões de saúde, entre as quais as de medicina e de enfermagem.
Ao tornar este mundo, cada vez mais complexo, em decorrência da evolução científico-tecnológica e social, surgiram tentativas no sentido de sistematizá-lo e simplificá-lo, não só para facilitar a sua compreensão, mas também para permitir ao homem se situar melhor nele, capacitando-o para se beneficiar de suas condições vantajosas e, ao mesmo tempo, se livrar de suas potencialidades agressivas, ou pelo menos, minimizar seus efeitos.
A par das indiscutíveis vantagens do conhecimento especializado e das especializações, tal situação conduz, não raras vezes, a verdadeiros impasses, como resultante da cultura fragmentária ou reducionista da maioria das pessoas, dificultando a integração das partes constituintes do todo, necessária à compreensão dos sistemas e processos em sua totalidade, com isto, impedindo a aquisição de uma visão sintética, globalística, gestáltica ou holística dos fenômenos em estudo.
Conseqüentemente, "o físico, o biologista, o psicólogo e o cientista social estão, por assim dizer, encapsulados em seus universos privados, sendo difícil conseguir que uma palavra passe de um casulo para distante. 39”. .
Como já mencionamos, o próprio homem tem sido, através dos tempos, estudado de uma maneira parcializante.
Essas mesmas tendências surgiram na Psicologia, aparecendo os problemas de totalidade, interação dinâmica e organização.
Segundo Mário Chaves40, “Von Bertalanffy na década de 1920, teria se insurgido contra a abordagem mecanicista que então prevalecia na teoria da biologia, para advogar uma concepção organísmica, como preconizara Claude Bernard41, capaz de ressaltar o organismo como uma totalidade ou sistema e de focalizar a principal meta das ciências biológicas na descoberta dos princípios de organização, em seus diferentes níveis. Já em 1929 e 1932, surge o trabalho de Cannon42 sobre a homeostasia”.
A concepção mecanicista, então vigente na biologia, se propunha à redução dos fenômenos vitais a entidades atômicas e processos parciais. O organismo se resumia a células, suas atividades a processos fisiológicos e, finalmente, físico-químicos, o comportamento se restringia a reflexos incondicionados e condicionados simplesmente, o substrato da hereditariedade era reduzido a partículas cromossômicas.
Ao reverso, no contexto da concepção organísmica, em que se fundamenta a biologia contemporânea, se faz necessário estudar não apenas partes e processos de per si, mas também equacionar os problemas básicos encontrados na organização e na ordem que os unifica, resultante da interação dinâmica das partes (sistêmica, holística), que torna diverso o comportamento das partes, quando é estudado isoladamente ou quando tratado em sua totalidade e abrangência.
Essas mesmas tendências surgiram na Psicologia, aparecendo os problemas de totalidade, interação dinâmica e organização.
Na psicologia clássica associacionista pretendia-se simplificar os fenômenos mentais a unidades elementares - "átomos psicológicos", como as sensações elementares, enquanto a psicologia gestaltista passou a enfatizar a existência e a primazia das totalidades psicológicas, que não podem ser representadas por uma mera somação de unidades elementares, mas disciplinadas por leis dinâmicas e integrativas.
Na mesma linha de raciocínio poderíamos incluir a classificação zoológica, que era estanque antes do advento da teoria da evolução, que veio estabelecer o ordenamento, relacionamento, o parentesco entre todas as espécies animais.
Nas ciências sociais pretendia-se conceituar a sociedade como uma soma de indivíduos, constituída de "átomos sociais", cuja caracterização é o modelo do Homem Econômico, conceito que se torna obsoleto ante a tendência e a necessidade de se focalizar a sociedade, a economia e a nação como um todo perfeitamente estruturado, ordenado, organizado.
Segundo Warren Waver43, a física clássica teve sucesso em criar a teoria da complexidade desorganizada, mas o problema fundamental da atualidade é o da complexidade organizada. Idéias como a de organização, totalidade, direção, teleologia e diferenciação não são, apenas, apanágio da física convencional, surgindo nas ciências biológicas, sociais e do comportamento, tornando-se indispensáveis para estudo dos organismos sociais.
“Este paralelismo dos princípios cognitivos gerais, em diferentes campos, é ainda mais impressionante quando se considera o fato de que estes desenvolvimentos ocorreram independentemente uns dos outros, na maioria dos casos sem qualquer conhecimento do trabalho e da pesquisa realizados em outros campos. 44"
Entretanto, as distorções apontadas vêm resistindo e sobrevivendo, não obstante os esforços transformadores e revolucionários, decorrentes de uma nova cosmovisão, baseada na física moderna que impôs a revisão da perspectiva cartesiana, analítica, mecanicista, substituindo-a por um novo paradigma fundamentado na física e na biologia do nosso tempo e, em teorias holísticas, compatíveis com o modelo dos sistemas auto-organizadores e auto-reguladores, como os organismos vivos e os ecossistemas naturais, portanto, em coerência com uma visão orgânica, sintética, sistêmica e holística do Universo, da vida, do ser humano, da sociedade e do ambiente.
A necessidade de mudança do paradigma que se originou da física clássica, newtoniana, mecanicista e reducionista, tem suas origens nas revisões ocorridas na própria física (física moderna), impostas pelos conhecimentos expressos, entre outras, pela Teoria da Relatividade (Einstein)45, pelo Principio da Incerteza (Heisenberg)46 e pela Teoria Quântica (Max Planck47 e outros).
Em decorrência destas premissas, Lwidg von Bertalanffy48 introduziu, para servir como instrumento de síntese, de totalidade, universalidade e abrangência, a Teoria Geral dos Sistemas (TGS), da qual trataremos no Capítulo II - Enfoque Sistêmico (Sistemismo) - que constitui uma metodologia dela derivada, um dos alicerces fundamentais da metodologia proposta neste livro.
Estribados nesta teoria e em outros aspectos do conhecimento científico-filosófico-social contemporâneo e, com o objetivo de ampliá-la, elaboramos um referencial - o Pensamento Sistêmico-Ecológico Cibernético (PSEC) ou Sistemismo Ecológico Cibernético, constante do Capítulo X, mediante a justaposição de idéias, conceitos e princípios da referida Teoria Geral dos Sistemas (enfoque sistêmico ou sistemismo) com os da Ecologia, além da adição de aspectos de outros ramos do saber.
. O construto resultante destinava-se, inicialmente-a servir de base filosófica para a Teoria Sistêmico-Ecológica de Enfermagem, de autoria de um de nós (Rosalda Paim49, l974), mas como seus Princípios Gerais foram ampliados gradualmente, tornou-se possível, sem que dela se desprendessem (mantendo a sua estrutura, abrangência e unidade), passassem a constituir, ao mesmo tempo, o Pensamento Sistêmico Ecológico Cibernético (PSEC) ou Sistemismo Ecológico Cibernético, o qual será abordado no Capítulo X.

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